De um lado, nós, espectadores, seguindo de perto a vida de outras pessoas dia após dia de maneira sem precedentes. Do outro, os moradores da “casa mais vigiada do Brasil” sendo observados 24 horas por dia, sete dias por semana. Os “brothers” sabem disso e acabam adaptando seu comportamento à situação em que se encontram. Assim como na vida aqui do lado de fora, ocorrem fofocas, conchavos, intrigas e disputas, mas tudo com uma pitada a mais de tensão e inquietude.
Para nós, toda essa apreensão pode parecer “normal” mas, na verdade, há uma série de efeitos psicológicos que esses participantes sofrem sem ter lá muita consciência. Apenas uma coisa é certa: há mais angústia e inquietação do que o normal. Por que isso acontece?
Me acompanhe que vou lhe dar algumas pistas.
Sobre ser observado
Um grupo de pesquisadores da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, identificou três pontos no campus com taxas extremamente elevadas de roubo de bicicleta. Com essa informação em mãos, eles afixaram desenhos de “olhos abertos” em cada local onde os roubos ocorriam, juntamente com um cartaz em que se lia: “Ladrões: Nós estamos de olho em vocês”.
Descobriu-se algo incrível: o experimento produziu um efeito inesperado e impressionante. A redução nos roubos em cada um dos três locais foi nada menos do que 62%! Isso só pela presença de um desenho –veja bem, desenho– de olhos abertos.
Agora, imagine o que acontece com os participantes do reality, que sabem que existem dezenas de câmeras registrando todos os seus movimentos. Se já é constrangedor para muita gente ver-se em evidência em uma situação social momentânea, como por exemplo, dar uma aula ou expor sua opinião em uma reunião, o que dizer do fato de ter milhões de pares de olhos observando seus passos durante semanas?
Sentir-se observado tem forte impacto no comportamento humano. E, no caso do programa, ser observado por três meses seguidos tem dois efeitos:
1) Tentar controlar atitudes e reações nos momentos em que estão conscientes das câmeras;
2) Agir de maneira mais livre quando se esquecem das câmeras.
Não se engane achando que “nada” mudaria em sua conduta se você estivesse lá. Saiba que não está tanto assim em suas mãos. É seu cérebro primitivo que reage a um possível estímulo.
Sobre estar confinado
Viver em um ambiente “não natural” também interfere muito nas estratégias de enfrentamento. Ambientes “excepcionais”, como uma base polar, uma estação espacial, um submarino, prisão, UTI ou sala de isolamento, entre outros, podem propiciar o aparecimento de perda de identidade como uma espécie de anestesia emocional. (2)
Entre prisioneiros confinados em solitárias, por exemplo, há relatos de ansiedade extrema, raiva, mudanças mais intensas de humor e, finalmente, diminuição do controle dos impulsos, levando as pessoas a assumirem comportamentos de maior risco. Muitas vezes, concluem os pesquisadores, ataques de pânico e níveis mais altos de depressão e de perda de memória estão igualmente mais presentes. (3)
Voltando aos nossos Brothers, quem eles se tornariam depois de algum tempo? Embora não vivam uma situação tão extrema quanto a dos prisioneiros, a noção de autonomia pessoal está diretamente atrelada à noção de autoestima, a qual, nessas circunstâncias, possivelmente decai de maneira vertiginosa.
Sobre perder a privacidade
Os efeitos psicológicos são imediatos. Na vida real, quando não gostamos de alguém, podemos nos afastar e, assim, neutralizar sentimentos e emoções ruins – o que diminui de maneira expressiva nossos níveis de tensão e de ameaça.
Como sabemos, herdamos de nossos antepassados o mecanismo “de luta ou fuga”, um poderosíssimo recurso de sobrevivência que nos incita a dar fim a um estímulo ameaçador (ou desagradável) a todo custo, seja fugindo ou atacando.
Na casa do Big Brother, a possibilidade de fuga é confiscada dos moradores. Se a pessoa não pode fugir, só lhe resta atacar. É por isso que os motivos mais triviais geram respostas hostis ou exacerbadas, ainda que reagir daquela maneira não seja do estilo pessoal.
Moral de estória: quanto mais tempo permanecerem nesse local, mais irritadiços, impacientes e intolerantes com o outro se mostrarão. (4)
Conclusão
Em um ambiente monitorado 24 horas por dia durante três meses, podemos imaginar quanta tensão se acumula entre os brothers. Por se sentirem observados, perdem sua espontaneidade, enquanto o confinamento produz neles irritação e estresse e, com a falta de privacidade significando intimidade totalmente devassada, a possibilidade de se tornarem mais agressivos é grande, bem como, por se sentirem sempre em risco, o instinto de luta é constantemente ativado.
De fato, o que se vê é um verdadeiro caldeirão de processos psicológicos. E os resultados são imprevisíveis, como comprova um experimento que simulou uma prisão com voluntários universitários na Universidade de Stanford (5).
Bem, depois disso tudo, se você ainda acha que seria fácil encarar um programa como este, pense melhor. Eu posso lhe assegurar que viver um “Big Brother Brasil” não é para qualquer um.
Txxto por Dr. Cristiano Nabuco
Retirado do site https://cristianonabuco.blogosfera.uol.com.br/